Artigo - Leitura e metodologia ativas: condição e oportunidade, por Marcilene Bueno
Mudar a educação contemporânea brasileira, básica ou superior, entre tantas outras atitudes possíveis, consiste em ressignificar a aula, imprimindo nela a condição de lugar de trabalho cognitivo, de atividade intelectual, de participação ativa dos principais sujeitos da aprendizagem: os estudantes. Para tanto, o modelo de aula como momento de locução de informações, pronunciamento de dados por uma única fonte (método passivo), cede espaço para a interação, a aprendizagem entre pares, a colaboração em times, a investigação de casos e tantos outros métodos cujo interesse é dar significado e profundidade à aprendizagem por meio da mobilização mental do aprendente. Porém, em comum, todos os métodos que incentivam o protagonismo do estudante, precisam da leitura como condição e oportunidade para que se concretizem.
No livro “A águia e a galinha”, o autor afirma que “os olhos veem a partir de onde os pés pisam”. O que isso significa? Que as diferentes perspectivas pelas quais se observa um fato ou acontecimento dão origem a uma multiplicidade de objetos de conhecimento, cada qual com suas características e propriedades. Assim também acontece com a leitura.
Numa acepção bastante ampla, “ler” é atribuir sentidos. Por esta razão, qualquer exemplar de texto escrito ou oral apresenta-se possível e passível de leitura. Enquanto “concepção”, a leitura é compreendida por um ponto de vista ideológico, trazendo consigo valores de verdade ou de mentira que se atribuem à(s) representação(ões) que se fazem do(s) mundo(s); razão por que o termo é usado como “leitura de mundo”. Já no sentido de escolaridade, a leitura é associada à alfabetização, apresentando caráter de aprendizagem formal.
Desse modo, entre a atividade de percorrer com a vista o que está escrito ou de captar pela audição o que é dito, reconhecendo, percebendo, decifrando para compreender e interpretar, fazendo dessas atividades um hábito ou uma arte, há um espaço no qual se desenvolve uma multiplicidade de atos, o que permite afirmar ser a leitura uma atividade complexa.
Por isso, é tão necessário refletir sobre a leitura enquanto processo de produção de sentidos e, do mesmo modo que a escrita, torná-la possível de ser trabalhada, durante toda a existência humana. Para tanto, ela precisa ser compreendida como uma forma de proceder no mundo, na linguagem e/ou pela linguagem. Há diferentes formas e/ou modos de leitura porque há diferentes maneiras pelas quais o homem mediatiza-se com as coisas do(s) mundo(s) e com os outros homens para produzir sentidos. Por esta razão, a leitura pode transformar o próprio homem, visto ser ela uma mediação que se dá pela força transformadora da linguagem.
Em síntese, a leitura é atividade e meio para que as pessoas possam aprender a aprender em todos os sentidos. É possível afirmar que, na aprendizagem, passar da passividade à atividade exige exercício constante e efetivo de leitura. Mas, de uma leitura integrada ao projeto, ao método, à estratégia escolhida para o aprender pois, trabalhada separadamente, deixa de ser oportunidade para compreender a relação dinâmica responsável por transformar o dado em informação e a informação em saber.
Sobre a professora Marcilene Bueno
Doutoranda em "Innovation in Engineering Education", na UNESP de Guaratinguetá-SP, mestre em Língua Portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1996). Professora do Centro Universitário Salesiano de São Paulo, graduação e pós-graduação. É pesquisadora, desde 2013, do Laboratório de Metodologias Inovadoras, no UNISAL, campus Lorena, atuando também na formação de professores e realizando experiências práticas na área de metodologias ativas, especialmente, "peer instruction", "team-based learning" e "writing across the curriculum". Para mais informações acesse: www.mestraeducacional.com.br